Projeto está em fase de implantação e permite que dentista realize procedimentos de forma mais rápida, segura e com menos estresse para a criança.
Da esquerda para a direita: Drª Ravena, Dr Breno e Danielle Moreira (auxiliar). Foto/Reprodução: Arquivo pessoal
É muito comum encontrar pessoas que se sentem tão desconfortáveis ao buscar atendimento odontológico que até evitam as consultas por medo. Com crianças, esse quadro é ainda pior, mas com as estratégias certas e com a ajuda da família, este medo pode ser superado, na maioria das vezes. No entanto, em alguns casos, a ansiedade e o medo daquele barulhinho terrível da broca, são tão extremos que o tratamento se torna impossível, principalmente, quando se trata, por exemplo, de crianças neurodivergentes.
Este é o caso de João Carlos Mendonça, de apenas 12 anos, autista nível 3 de suporte. Tudo começou com uma pequena cárie não tratada- por medo, ansiedade e dificuldades sensoriais- que logo se transformou num canal e causava fortes dores, afetando, a sua alimentação e o seu bem-estar geral.
A mamãe, Jarlene Mendonça, explica que o João tem grande dificuldade em tolerar a experiência da cadeira odontológica. "É muito ruim. Quando eu tentava, ele se mexia muito, não deixava fazer e poderia machucar. O profissional não conseguia fazer o procedimento correto e era muito ruim para ele todo aquele sofrimento, sentindo dor, e para mim também, presenciando tudo".
Jarlene conta que, antes da situação do filho se agravar, ela buscou tratamento na rede particular, e até na rede pública de outros municípios vizinhos, mas a sensibilidade a sons, luzes e texturas, típicos do ambiente clínico, e a dificuldade de adaptação a consultórios que não estão preparados para as necessidades de João, tornou impossível todas as tentativas de tratamento. "Por ele ser autista nível 3 ele não aceitava ninguém segurando. Tinha que ser à força, o que era muito constrangedor [...] Ele tem o plano de saúde, mas eu não consegui porque não podia sedar. Só sedava em casos de cirurgia. Então era na marra, com vários profissionais em cima tentando segurar. Não dava certo".
Para ajudar Jarlene, seu filho João e tornar o tratamento odontológico acessível a todos, a Prefeitura de Aquiraz, por meio da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), criou o "Odontologia Hospitalar de Aquiraz", um projeto, que está em fase de implantação desde abril, e consiste, basicamente, na realização de procedimentos odontológicos de média e alta complexidade, com sedação, em crianças neurodivergentes.
De acordo com a Drª Ravena Lopes, dentista do Centro de Especialidades Odontológicas (CEO) da SMS, a sedação é uma opção que pode ser considerada, especialmente, quando o tratamento se torna difícil devido à ansiedade, medo ou dificuldades sensoriais. Ela explica que o procedimento é feito quando se esgotam todas as tentativas de atendimento na atenção básica e na atenção secundária. "Esses pacientes chegam no CEO através de encaminhamento dos postos, quando não é possível realizar o atendimento odontológico em ambulatório [...]. Também não sendo possível esse atendimento no CEO por diversos motivos, como complicação sistêmica, riscos ou questões comportamentais, a gente faz o encaminhamento para atenção terciária [hospital]."
Na atenção terciária, este paciente passa por uma triagem que inclui avaliação pré-operatória, com exames, avaliação médica clínica, pré-anestésica e cardiológica. Dando tudo certo no resultado dos exames, segundo a Drª Ravena, o dentista especialista do CEO, em parceria com a equipe médica do Hospital Geral Manoel Assunção Pires (HGMAP), estão aptos para marcar a data de realização do procedimento no centro cirúrgico. "É necessário, de fato, uma equipe para que a gente consiga implantar um serviço de qualidade e seguro. E a equipe do hospital [HGMAP] tem nos recebido muito bem e se empenhado bastante. Em especial, o Dr Breno, anestesista, que tem sido fundamental no funcionamento desse serviço, dando todo suporte para que tudo ocorra com tranquilidade e segurança.", pontua.
De acordo com a Drª Ravena, todo o procedimento é realizado no centro cirúrgico com a mesma confiança e segurança de qualquer outra cirurgia. "O paciente é atendido pelo anestesista. Ele prepara tudo, seda o paciente, e então eu entro, faço os meus procedimentos, comunico ao médico anestesista o momento que eu estou perto de terminar, e ele vai tirando a sedação. O paciente interna de manhã cedo, em jejum, faz o procedimento de internação normal como de quem vai fazer um procedimento em centro cirúrgico. Ele fica na observação depois do procedimento, sob os cuidados do médico, da equipe hospitalar, numa sala de recuperação. E quando o paciente estiver bem, acordado, respondendo, pronto para comer, para andar, ele recebe a alta do hospital".
A sedação permite que o dentista realize procedimentos de forma mais rápida, segura e com menos estresse para a criança, por isso, a Drª Ravena explica que, neste momento, cada minuto de sedação é de extrema importância para que sejam realizados não somente a cirurgia, mas todos os procedimentos odontológicos necessários. "Eu já atendi pacientes do NAME e do CAPS, e são pacientes que, realmente, não respondem em relação ao comportamento em ambiente ambulatorial, em consultório odontológico, então é importante frisar que não é somente tratamento cirúrgico. É feito todo tratamento odontológico numa manhã. Tratamento periodontal (raspagem/limpeza), tratamento restaurador (tratamento de cáries, restaurações estéticas), tratamento cirúrgico (exodontias/extrações dentarias), profilaxia, selantes, aplicação de flúor. Paciente sai com tratamento concluído"
Drª Ravena avalia que o projeto "Odontologia Hospital de Aquiraz" é mais que um simples procedimento cirúrgico. Para ela, é uma demonstração de empatia, de entender as dores e o medo do outro, e oferecer acolhimento, conforto e segurança, não só para o paciente, mas para toda a sua família. "Quando eles chegam para mim, na grande maioria das vezes, eu consigo atender. Esses pacientes [neurodivergentes] são minoria, mas é uma minoria que sofre, que tem uma fragilidade muito grande devido a sua condição. No caso dessa mãe [Jarlene], a história é de muito sofrimento. Já houve situação em que cinco profissionais tiveram que segurar o filho dela à força porque ele já tem 12 anos, é um paciente grande e forte. Então, eles (os pais de crianças neurodivergentes) ficam bem emocionados, bem agradecidos, porque no geral eles já têm uma caminhada de sofrimento, de noites sem dormir. Esses pacientes [neurodivergentes] quando ficam com dor, param de comer, não dormem, não sabem apontar onde está doendo, não conseguem fazer as terapias como devem ser feitas, então atrasam. É uma situação que afeta diretamente a qualidade de vida de toda a família. Então, meu intuito com este projeto, meu empenho neste projeto é para devolver essa tranquilidade para a família."
Dona Jarlene, que já lida com as questões próprias do autismo, agora pode respirar aliviada, pelo menos, em relação a essa barreira. "Graças a Deus olharam para esse lado das crianças que têm dificuldade de ir ao dentista, que têm medo de hospital. Agora ele [João] conseguiu fazer o procedimento, foi sedado, deu tudo certo! A equipe da Drª Ravena foi maravilhosa, muito boa! Desde a hora que a gente chegou, o atendimento, o anestesista, tudo foi maravilhoso. Passaram confiança para gente, direto olhando [o João]. Foi muito bom."
E não para por aí. Ainda de acordo com a Drª Ravena, além do atendimento cirúrgico, após a alta hospitalar, esses pacientes permanecem recebendo todo suporte odontológico do CEO. "Importante entender também que esse atendimento hospitalar não é o fim. Esses pacientes, após atendimento no centro cirúrgico, entram num programa de prevenção no CEO, recebendo suporte para manter a saúde bucal em dia. Assim como também é feito o treinamento dos cuidadores para realizar os cuidados em casa.", ressalta.
Os procedimentos do projeto "Odontologia Hospitalar de Aquiraz" são realizados apenas uma vez por mês, no centro cirúrgico do HGMAP. Por enquanto, a proposta que está em fase de implantação, passa por testes quanto a estrutura, definição de equipes de profissionais, critérios de enquadramento dos pacientes, avaliação de riscos e limitações de atendimento. Por isso, neste momento, estão sendo atendidos apenas casos mais urgentes e de menor complexidade, conforme avaliação da Drª Ravena e sua equipe.